Mesa de canto, malandro tristonho,
sentado no bar, o Bar
de Bacanas da Vila
da Penha. Cerveja
na mesa, a alma
sofrida, total solidão.
Camisa vermelha,
boné na cabeça, tombado de lado. A calça é
de linho, um vinco
perfeito, a perna cruzada,
o copo na mão.
Sapato alinhado,
em branco
e marrom, completa
o estilo do malandro Pintado.
Pensando na vida,
retorno ao passado,
pensando Pintado, enquanto
ele espera o conjunto tocar.
É noite de sábado,
seu bar
preferido, um bar
de seresta, raparigas
distintas, amigos de fé, no palco ele canta, canções prediletas, agradando aos presentes,
ele canta boleros e sambas-canções.
Mas Pintado
está triste, o peito
doído, lembranças na mente, silêncio
na voz, um
choro de espírito,
ferido na alma e no seu
coração...
O conjunto começa,
em acordes perfeitos,
os pares dançando, os passos treinados, enfeites
nos trajes,
mulheres bonitas enfeitam o salão. Dançando amanhecem, manhã de domingo, malandros
prezados, não
dormem tão cedo, à noite
acordados, mantendo a cultura, dos tempos da Lapa,
da Lapa vadia,
outrora cantada em
lindas canções.
Pintado é malandro,
do tipo incansável, tem pose distinta,
sujeito alinhado. Mas pensa em Marina,
morena Marina, as lágrimas
lhe descem, nos
cantos dos olhos,
com ele
pensando, voltando ao passado...
Domingo é descanso, da noite virada.
Segunda é batente, da roupa surrada, mas muito cuidada. Assim ele vai, seguindo
ao trabalho.
No pé da estação, que fica na Penha,
não muito distante, da Vila da Penha, Pintado arrumado, espera o vagão.
Trabalha no centro, vendendo bilhetes, em loja instalada, saída de barca,
atendendo ao povão.
Segunda até
sexta, a rotina
de sempre, o trem
apertado, passagem mais
cara, e lá vai Pintado,
postado de pé, ao sabor
do balanço, no vagão predileto, primeiro vagão,
malandro arrumado, com fé no Divino e superstição.
Aparece um lugar, do lado que
estava. Ele senta depressa, prestando atenção, parada certeira, em outra
estação.
E embarca a donzela: morena bonita, cabelos nos ombros, os olhos
brilhantes, um corpo perfeito, idade de trinta, mais
nova que
ele, chegando aos quarenta.
Pintado é solteiro,
malandro boêmio,
encanta-se todo e oferece o lugar. Marina agradece, olhando nos
olhos, Pintado
estremece, pintou emoção, balanço do
trem no seu coração.
O trem continua, vencendo a
distância, Pintado encostado, de olho na moça, mantém o olhar, com todo
respeito, mostrando finura e total discrição.
E segue o casal,
trocando piscadas, pensando em manter
alguma união. É arte da vida, amor verdadeiro, mais
forte que
ambos.
No ponto final, Barão de Mauá, o
povo correndo, já meio atrasado. Pintado é malandro, vai na dianteira, espera
na porta a morena faceira.
Dali fica vendo a moça bonita, seus passos
medidos, no alto do salto,
a bolsa na mão.
A roupa é bem
simples, cuidada
em detalhes,
formando um conjunto
de grande beleza.
“Ela
é um colírio!”,
Pintado pensando, espera a passagem, para o galanteio: “Terei eu sucesso?”, dizia pra si. Chegado o momento, palavra
ensaiada, Pintado então fala:
– Bom-dia, princesa! Permite um
aparte?
– Bom-dia, pois não?
– Meu nome é Pintado, trabalho no
Centro; gostei dos seus modos; você é solteira?
– Eu sou, sim, senhor. Marina é meu
nome. Trabalho também, na loja de frios, no número vinte da Rua Ouvidor.
– Permite o abuso de acompanhá-la?
– Permito, é prazer!
Eu muito
gostei do seu modo
elegante, difícil
hoje em
dia!
– Marina, obrigado! Pensei numa
coisa: eu ando no trem, horário de sempre, por que não te vejo?
– Não
moro na Penha. Passeio,
apenas, na casa
da mana, Maria do Carmo. Clarisse, afilhada, é a filha
que tem. Por
isso eu
estou andando de trem.
– Sou homem de sorte, guardei o
lugar, no trem pra você. Permite um convite, com todo respeito?
– É claro
que sim!
Não sou de aceitar,
mas abro exceção.
Você me provou
merecer atenção,
por seu jeito
fino e educação.
– Frequento um
lugar, na Vila
da Penha, o Bar
de Bacanas, lugar bem
distinto, com
música ao vivo e animação.
Gostaria de ir?
– É certo que sim! Com que roupa eu
vou?
– Você é bonita. A roupa é detalhe.
É lugar de destaque, beleza é que vale.
–
Então está bem, aceito o convite, mas como faremos?
– Vou até
sua casa,
eu faço questão.
Eu não
tenho carro, mas
chego de táxi, um
belo carrão. Você
mora onde?
– É em
Bonsucesso, na Rua dos Patos, em casa de esquina,
de número sete. Mas
fico esperando, na casa da mana, no bairro
da Penha é fácil chegar.
Eis aqui
o papel indicando o lugar.
Você sabe onde
é?
– Sei tudo
da Penha, recanto
querido. Chegarei nove
horas, no dia
de sábado. Eu
chego arrumado, no ponto da hora,
você vai gostar!
– Está combinado, me vou despedindo, senão
me atraso.
– Meu caso é o mesmo, vou indo
também. Então, até sábado?
– Com toda certeza!
Saíram depressa, os dois atrasados,
sem muito problema, conceito mui grande, patrões de primeira, bom tempo de
casa.
Pintado chegou, vendia bilhetes,
primeiro freguês
pediu um pedaço,
com fé
no leão; freguês estrilou, distraído Pintado, passou-lhe errado, uma fé
no veado. Sem graça, Pintado, desculpas
pediu, pensando mui longe na bela Marina, morena Marina.
Com ela não teve reclamo nenhum. Pensava,
porém, no que vestiria, no fim de semana. E já decidira, com sua poupança,
gastar dela um pouco, em roupa da moda, pra ocasião.
No dia
seguinte, os dois
deram sorte...
Primeiro vagão,
assim combinados, o trem no horário, os dois
conversando, sabendo em detalhes, dos modos
de vida. Pintado
vibrava, era linda
a morena, além
de educada, falava serena.
Falava na irmã, casada
há seis anos,
a filha, afilhada, de nome Clarisse, marido
Ricardo, corretor de imóveis, pessoa boníssima, cunhado querido.
Pintado contava da vida que tinha:
trabalho pra casa, o bar da esquina, amigos de sempre, trocando em miúdos,
assuntos do dia. A vida era simples, sem muito problema, a casa era própria,
herdada dos pais, no mesmo lugar, nascera e vivera, na casa de vila da Vila da
Penha.
Conversa rolava, rodavam as rodas, o trem apressado, caminho
do Centro, Barão de Mauá. Abraço afetivo,
o clima esquentando, o tempo escorria, o dia
chegava.
Era já
sexta-feira, os dois
animados, correndo pra
loja, à cata
de roupa, estréia
prevista no dia
seguinte. Pintado, ansioso,
na Praça Mauá, na loja
de sempre: olhou os bonés,
escolha difícil,
com muitos
modelos à disposição.
Pegou o azul, passou pelo
verde, foi ao amarelo,
parou no vermelho. Olhou no espelho,
vendedor esperando, botou na cabeça, tombou para o lado, soltou um
sorriso, de satisfação,
mandou reservar.
Vestiu a camisa,
de seda, bem pura, a manga comprida, vermelha
na cor, mandou reservar.
Partiu para a calça,
em linho,
branquinha, botões
nos seus
bolsos, mediu no espelho,
gostou de montão, mandou reservar.
E foi aos sapatos, modelo de sempre,
o bico afinado, em
branco e marrom,
mandou reservar. Com
meias, a dúvida, se brancas ou vermelhas, separou cada
par, decisão
pra depois,
mandou reservar.
Somou a despesa,
pagou a entrada, dividiu em seis vezes, abraçou o amigo,
saiu apressado, voltou ao trabalho,
pediu um bom
vale, patrão
estranhou, amigo fiel,
não deixou de pagar.
No mesmo
horário, Marina
buscava, em loja da moda, a roupa bonita,
pensando estrear. Comprou um
vestido, vermelho,
bonito, decote discreto,
cintura apertada,
a saia colada, colada nas coxas, com rendas bonitas, abrindo em
godê.
Comprou os sapatos, de salto afinado, altura
ideal, bonito
de ver. Pagou a entrada,
dividiu em seis
vezes, pegou o embrulho,
voltou ao trabalho.
Seis horas da tarde, as lojas
fechando, o trem apertado, os dois retornando, sem vista um do outro, pensando
no sábado, no Bar de Bacanas, encontro marcado. Dormiram agitados, pensando um
no outro, acordaram cansados, dormiram de novo, o sono da tarde, o tempo
passando, correndo pra noite.
Mas antes
ainda, às quatro
da tarde, Marina
partiu ao salão de beleza. Cuidou da aparência: as unhas
dos pés, as unhas
das mãos, vermelhas, bem
vivas, esmalte importado, cabelos cuidados,
revoltos em
mechas, encaracolados.
Pintado, também,
dirigiu-se ao barbeiro, um corte em capricho, a barba rapada, a moça
bem hábil,
cuidando das unhas, aparando as arestas.
Às sete
da noite, os dois
no banheiro, um
banho de espuma,
depois o perfume,
detrás da orelha,
no colo e no pulso.
Como se combinassem, cada um no seu bairro,
tirando das caixas, as roupas bonitas, de ocasião.
Às oito da noite,
os dois ansiosos,
à espera do tempo das nove
da noite.
Pintado no táxi,
um novo
carrão, ar-refrigerado, bonito de fato, partiu apressado,
bateu no endereço.
Marina esperando, irmã curiosa, Ricardo, bem tímido, sem olho na rua.
O táxi
parou, igual carruagem,
Pintado desceu, encantou-se bastante, Marina
em beleza, tão deslumbrante.
Maria do Carmo, irmã curiosa, esticava o olhar, pra ver o malandro, malandro
Pintado. Gostou do que
viu: homem forte, cuidado,
futebol bem
jogado, domingo de sol,
em campo de várzea da Vila da Penha.
As pernas
em músculos,
a barriga uma tábua,
os ombros bem
largos, os braços
bem fortes, um belo exemplar. Pensou em Ricardo, as pernas
bem finas, barriga pra fora, o peito pra dentro, um tipo baixinho, bebedor de cerveja,
mas um
bonachão.
Maria do Carmo ficou com vergonha da comparação. Amava o marido, gostava da vida,
dos tempos de outrora.
E tinha Clarisse, a bela
menina, vendendo saúde,
família bonita.
Desculpou-se consigo, de si para si, feliz com Marina, irmã predileta,
em sua
conquista.
O carro
levou o casal afinado, conversa
mui franca,
um papo
animado. Seguiram destino:
o Bar de Bacanas,
na Vila da Penha,
o ponto de encontro
de malandros saudosos,
expulsos da Lapa,
mantendo a cultura dos antecedentes.
Desceram em
estilo, Pintado
na frente, correndo pra porta,
abrindo-a depressa, pegando Marina, morena Marina, adentrou o ambiente.
Causaram estupor, malandros
presentes, mulheres
bem lindas olhando contentes.
Amigo Pintado,
a flecha no peito,
Cupido assanhando, um
final feliz ao
solteiro insistente.
Marina, a princesa, deslumbre em beleza, sorriso bem franco, agradou na chegada.
A mesa esperava, no canto
de sempre, toalha
alinhada, cinzeiro
no meio, era mesa
cativa do malandro
Pintado.
Um samba de breque, conjunto
tocava. Dançavam casais, em passos
treinados, os homens, distintos, malandros
de fato, o baile
seguia, em animação.
Pintado pegou nas mãos
de Marina; com
pose de rei,
conduziu a morena, ao centro da pista,
e mostrou sua graça.
Marina esperta na dança também. Não perdia um só passo,
rodava bonita, causando suspiros, despertando atenção.
Com todo respeito, na mão
de Pintado, o lenço
de linho evitava o suor,
na mão da princesa: fineza
malandra dos tempos
distantes, dos sambas
de breque e das gafieiras,
dos tempos da Lapa,
da Lapa vadia
e das capoeiras.
Chegara o momento,
sabia Pintado. Marina
alheia aos desdobramentos...
Chamado no palco,
Pintado encantou: cantou um bolero,
dedicado com gosto
à sua Marina...
Surpresa, Marina,
com a qualidade.
Agora sabia o porquê
da cativa, da mesa
de canto, no canto
do bar, no Bar
de Bacanas, da Vila
da Penha: Pintado
era artista,
o dono da noite,
cantava, afinado, boleros e sambas, e dava o recado
com sambas-canções, tirados do peito, em muita
emoção. Ali
mais ainda,
em razão
de Marina, morena
Marina, a sua paixão.
Não passou muito tempo, casório
pintou. Igreja lotada, com os convidados. Pintado, de fraque, Marina, bonita,
vestida de branco, de véu e grinalda, sorria feliz, com a união.
Clarisse, a criança, levava nas
mãos, o par de alianças...
O padre
esperando, celebra inspirado, aquele
conúbio, com lindo
sermão...
Saíram, felizes,
Pintado e Marina,
marido e mulher,
morando no bairro, na casa de vila,
da Vila da Penha.
O tempo
seguia seu rumo
normal, casal
bem contente,
Pintado cantando e dançando aos sábados,
no Bar de Bacanas,
da Vila da Penha, com sua Marina, morena
Marina..
Ao trabalho
iam ambos, os dois
sempre juntos,
partindo no trem, horário
de sempre, chegando ao trabalho,
voltando no trem, ao lar do casal,
na casa de vila,
da Vila da Penha.
Um dia, porém, Pintado faltou,
estava de folga, o trem não pegou.
Despediu-se Marina,
Pintado em
casa, beijando na boca
de sua amada. Marina partiu, pra
não mais
voltar. O trem
decidiu do trilho sair,
em velocidade, no chão
duro tombou. Marina,
coitada, não
pôde evitar a morte chegar. Surpresas da vida, final não previsto, em hora e lugar.
Pintado queria, coitado,
queria, partir para sempre
com sua
Marina. O seu
desconsolo, em
perder a amada,
causava tristeza, amigos
presentes, no triste
velório, Marina
sem vida,
beleza no rosto,
a alma no Céu.
Pintado ficou, a vida
partida, parou de cantar,
no Bar de Bacanas...
Passou muito
tempo, trancado na casa,
na casa de vila,
da Vila da Penha...
Mas eis
que num sábado,
na mesa cativa,
surgira Pintado, sozinho
no mundo, na mesa
de canto, o copo
na mão, boné
na cabeça, tombado de lado. Chorando, sozinho,
lembrava Marina, morena
Marina, Marina
morena, o seu
grande amor.
Não passou muito
tempo, saudade apertando, Pintado, bonito,
ficou definhado. Perdeu a saúde, morreu
de propósito, partiu em tristeza...
Mas teve a surpresa,
no mundo de Deus:
um Bar
de Bacanas, na Vila do Céu, Marina bonita, Marina morena, sorriso mui lindo, esperando por ele.
Pintado estacou, em
deslumbramento. Pegou-a nas mãos, partiu
para a pista,
no centro do baile,
bailando feliz, com
sua Marina,
morena Marina,
juntinhos pra sempre, na graça de Deus!...
(Homenagem
a Marina, minha afilhada querida, e a Pintado,
amigo do amigo e compadre Jorge da
Silva, ambos criados
em Olaria
e frequentadores do Ponto de Encontro,
bar de seresta
situado na Vila da Penha,
ainda lugar
de malandro considerado e em pleno funcionamento. Vila do Céu é expressão poética
em obra
literária – CONTO PREMIADO – do Coronel
PM, Professor, Escritor e craque em seresta
Jorge da Silva, intitulado Ester da Vila do Céu.)










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