Todos a cobiçavam. Quando ela passava pela rua meneando
seu corpo escultural, – em provocativa voluptuosidade, – os homens se
espantavam e as mulheres a miravam com indisfarçável invídia. Para ela, a rua
era passarela, e não lhe era possível ocultar a beleza, tão deslumbrante que
nenhum senso moral travaria o ímpeto de mirá-la em gulodice, eles, ou em
despeito, elas.
Carla, mulher belíssima, pertencia exclusivamente a
Mauro, – O Felizardo, – como se lhe referiam os frustrados e as invejosas. Era
vendedor. Elegante e simpático, ele sabia que sua mulher era desejada pelos
vizinhos e absorvia com cavalheirismo a inevitabilidade do fato. E assim seguia
Mauro pela mesma rua em que morava, – a passarela de Carla, – metido em
impecável terno e levando nas mãos sua inseparável pasta; mas, diferentemente
de Carla, a todos ele cumprimentava, não sem um ar íntimo de superioridade.
Mauro representava empresas importantes e residia na
melhor casa da rua herdada dos pais. Por isso havia, sim, uma ponta de ira nos
homens por vê-lo bem-sucedido fora e dentro da casa onde reinava a sua mulher,
que, pouco tempo depois, apresentava sinais da primeira gravidez, fazendo-lhe
desaparecer momentaneamente as curvas fenomenais. Os homens apostavam que ela
retornaria ao antes; as mulheres torciam para que nas belas pernas dela
surgissem varizes, e que sumissem definitivamente as curvas que a esculpiam em
forma de Vênus. Mas, quem apostou no azar de Carla, perdeu: ela ressurgiu mamãe
e mais linda que antes.
Carla não gostava de externar vaidade além dos limites
naturais. Usava roupas de qualidade, porém comuns, sem ornamentos que a
pudessem confundir com alguma perua. Mas, no fundo, e até de raiva devido às
piadinhas impertinentes que ouvia das concorrentes, volta e meia surgia com uns
modelitos acentuando-lhe as magníficas curvas, especialmente as suas coxas.
Assim enraivecia as vizinhas e fazia aumentar os ais de seus atentos
espectadores: “Que pernas! que corpo! que rosto! que belas metades de limão!
que mulher!” Assim reagiam os marmanjos enquanto as ciumentas futricavam: “Que
bisca!”
Puro despeito, sim, posto a linda mulher ostentar
comportamento irrepreensível em meio às piadas e aos desvairados elogios que
lhe eram dirigidos. Ela picava o passo, indiferente, da casa até o ponto do
ônibus, do ponto do ônibus até a casa, sem olhar para os lados. Não havia, na
verdade, a quem cumprimentar, a cena era a mesma de sempre, os homens cobiçando-a
em olhares lascivos e as mulheres futricando em corroída inveja.
Diziam algumas que Carla era coquete. Não era bem
assim, ela até tentava dissimular seus requebros maravilhosos. Contudo, mesmo
que colocasse apenas sandálias nos seus belos pés de cinderela, mesmo assim
suas cadeiras meneavam em deslumbre e sensualidade e despertavam a imaginação
dos desejosos: sonhavam um dia tê-la na cama ou em qualquer lugar. Se pusesse
salto alto, aí é que Carla se tornava inigualável. Era decisão da mãe-natureza;
sim, a mãe-natureza lhe determinara a postura exageradamente feminina e
sensacionalmente linda...
Corria o tempo, o filho crescera e lhe adviera outra
gravidez e o segundo parto. Ninguém mais duvidava, porém, de que Carla
retornaria estupenda. Nem por isso lhe faltaram pragas e pragas, que, no
entanto, - e mais uma vez, - resultaram em efeito contrário: as invejosas não
viam surgir naquele corpo escultural verrugas, varizes, pelancas, celulite e os
cabelos brancos que nelas, nas invejosas, lhes sobravam. Em Carla, ao
contrário, tudo era beleza, exuberância, sensação.
Mauro, O Felizardo, era, sem embargo, o mais invejado
do bairro. Mas nunca se esquecia do sorriso franco e da delicadeza no trato com
todos os vizinhos. Por isso muitos e muitas até se envergonhavam por cobiçar ou
invejar a esposa dele. Porém, não havia como evitar, a beleza dela era
irresistível, e os homens capitulavam diante de sua passagem: “Que boazuda!” Ou
as mulheres futricavam: “Que bisca!”
Tudo inútil, Carla não destinava a ninguém nem um
distraído olhar. Era uma pedra de gelo ambulante; sua austeridade instituía um
profundo abismo entre o céu que ela representava para seus admiradores e o
inferno para as concorrentes. Mas a todos nada sobrava além de seus próprios
olhares lascivos ou despeitados. Somente isto, nada mais que agonia de um platonismo
crudelíssimo.
O tempo, porém, inexoravelmente corria, e os homens se
conformavam com seus insucessos. Carla, em contrário, cumpria seu destino de
mulher bonita. Andava com os filhos nas mãos, molduras de sua rara beleza, e
“os” e “as” da rua sempre à espreita: ou nos portões, ou nas janelas, ou nos
discretos postigos, ou em qualquer outra fresta que se lhes surgissem, formando
descaradas fileiras de cobiçosos e invejosas a apreciarem a passagem da
boazuda.
Carla era como o vinho: quanto mais velha ficava, mais
qualidade apresentava ao mundo. Era diamante lapidado pela mãe-natureza e
tornado brilhante a tremeluzir e irradiar luxúria. E começava a atrair a cobiça
e a inveja de gerações mais novas, dos rapazes espinhentos e calejados de
tanto... por causa dela, e das moças sem unhas, de tanto roê-las em despeito.
Foi desse modo que Carla finalmente alcançou seus 50
anos; os filhos cresceram e casaram; o marido perdeu os cabelos e ganhou
proeminente barriga; e lhes vieram os netos. Carla, contudo, eterna se tornara,
a idade lhe parecia ser de mulher de trinta. Não havia nela cabelos brancos,
nenhuma ruga na pele sedosa que lhe moldava o corpo ainda escultural. Sim,
continuava uma delícia de mulher à vista de adolescentes a cobiçá-la e de
meninas a invejá-la. As despeitadas adolescentes, como suas mamães, morriam de
raiva ao deparar com aquela beleza eternizada na mulher de quase 60 anos. Sim,
Carla não conhecera ainda a decrepitude; mantinha inalterado o andar das belas
pernas a carregar a escultura talhada por Vênus, e o olhar no infinito em
altivez de rainha. Foi quando lhe faltou o marido...
Viúva, linda, desacompanhada no mundo, Carla, porém,
jamais permitiu que alguém se lhe aproximasse. Foi mulher de um só homem,
apenas de Mauro, O Felizardo, e soube esperar o próprio fim com a mesma
dignidade que sustentara em toda a sua vida de boazuda, até que lhe chegou a
vez de também deixar o mundo que tanto atordoou com sua beleza. Sim, o coração
a surpreendeu sem aviso. O músculo envelhecera e enfraquecera dentro dela. Ela,
do lado de fora, não sentia nada e continuava linda e sensual. Mas o coração
decidira encerrar sua trajetória. E ele, o músculo, mesmo pequeno, venceu o
corpo da bela mulher. Assim Carla se foi, levando consigo a sensualidade que
nela se eternizara. E não lhe faltaram admiradores e invejosas no enterro,
ainda fisgando gulosamente o invólucro inerte, ou rogando surdas pragas em vez
de orações. Deste modo Carla ao pó tornou, era agora e somente a efêmera
depositária da deslumbrante beleza que jamais lhe poderia ser eterna...

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