Os PMs Serafim e Expedito se destacaram na briosa como
dois eternos azarados, tanto juntos como quando separados. Juntos porque
formavam uma dupla de radiopatrulha, para que não se comece logo pensando que
eram gays, o que já lhes seria uma errônea interpretação ou má sorte, porque
machões como arrogavam ser não lhes ficaria bem a dúvida, o que já lhes seria mais
um azar. Mas, convenhamos, a má sorte eles efetivamente carregavam, e muita.
Sim, fardo tão pesado que devo ter cautela, cruzar os dedos, apelar para a
proteção da figa de guiné, ou enfiar no bolso um trevo de quatro folhas e
demais mandingas para me resguardar da urucubaca desses dois PMs cuja história
lhes vou narrar, esperando que vocês, prezados leitores, não deem distraída
topada numa pedra de caminho nesta leitura nem pisem onde não devem...
O caiporismo deles vinha de longe, desde crianças, é
bom que saibam; porque, se lhes começássemos agora a contar as quebraduras de
ossos, difícil seria saber quem ganharia de quem, e somente considerando casos
de prova concretizada. Na verdade, Serafim venceria Expedito por uma costela
quebrada a mais; em compensação, Expedito daria um banho de vitória em Serafim
na hora de contar as cicatrizes. Eram marcas para todos os lados, em ambos, que
mais pareciam que eles haviam um dia participado da Guerra do Paraguai, mas no
papel de soldados de Solano López a enfrentarem o 12º ou o 31º de Voluntários
da Pátria. Em serviço, na PMERJ,
e em matéria de marcas de tiro nas carcaças, estavam quase empatados, eis que
cada um tinha duas cicatrizes da espécie. Porém, Serafim levaria a melhor,
posto uma das marcas de PAF em Expedito ocultar-se exatamente na região glútea.
Daí a alusão a quase empatados, pois é certo que Expedito não era de ficar
comentando e muito menos arriando as calças para se gabar do tiro na sua bunda.
No fim de contas, poderia ser mal interpretado...
Muitos por esta hora devem estar pensando que aqui
estamos tratando de brincadeiras... Nada disso!... Como brincar com azar?...
Não devemos brincar com má sorte de ninguém, é verdade, mas não há como não
achar hilariante esta última cicatriz de Expedito. Para variar, ele estava de
serviço com Serafim, quando receberam pelo rádio a incumbência de perseguir um
ladrão de galinhas e similares no bairro de Santa Rosa, em Niterói, onde a
azarada dupla policiava rotineiramente. E olha que a veneranda Santa os
protegia...
Era uma noite chuvosa. O ladrão, ao avistar os
destemidos patrulheiros, entrou a correr pelos quintais das casas, pulando
muros e cercas, com Serafim bufando no encalço dele à frente de Expedito, este
que, de repente, gritou lá de trás para Serafim: “Tô pegado!” Serafim largou o
ladrão de lado e voltou em socorro do amigo, pensando que fora baleado ou
esfaqueado, pois assim se entendia na prática o terrificante grito de dor. Mas
não fora tiro nem facada que “pegaram” Expedito... Pois quando Serafim dele se
acercou, no escuro, desatou uma sonora gargalhada ao vê-lo preso numa cerca de
arame farpado, todo enrolado e sem poder se desvencilhar dos nós pontiagudos
que o feriam em tudo que era lado do corpo. É... efetivamente Expedito estava
“pegado”... na cerca. E não foi pouco o trabalho do colega para retirá-lo dali,
graças a um cidadão que prestimosamente surgira com um alicate... Ah, é preciso
dizer que também a ferramenta não deixou de produzir sequelas nos inábeis e
azarados dedos de Serafim?...
A segunda-feira invariavelmente começava cheia de
problemas para Serafim e Expedito. Porque eram zagueiros no futebol de várzea
aos domingos, e não menos azarados como só eles conseguiam ser. Mesmo assim,
nunca desistiam de jogar pelada no bairro onde moravam, e era o bastante para
surgirem sem o pedaço do dedão do pé, perdido na hora do chute, ou então
ostentando um feio arranhão no joelho, ou um ovo na canela, ou um inchaço no
tornozelo, ou... E assim chegavam ao quartel no dia seguinte: ambos mancando e
de havaianas nos pés. Calçar butes, nem pensar!...
O comandante da dupla era bastante condescendente.
Sabia, afinal, que Expedito e Serafim se comportavam como bons profissionais
cumpridores dos deveres da caserna. Mas o azar deles corria a praça em futricas
miúdas ou estrondosas... Por isso, naquela segunda-feira, bem como em muitas
outras, o sargento de antemão escalava a dupla na reserva da guarda do quartel,
pois eles sempre chegavam despedaçados. E não adiantava lhes dar conselhos para
que parassem com o futebol aos domingos, trocando-o por uma corrida rústica,
por exemplo. Aliás, não adiantava mesmo, porque Serafim tinha trauma de
corrida, bem como Expedito: ambos haviam sido atropelados quando faziam uma
simples caminhada pelas ruas do bairro. Sim, a questão não era o que faziam,
mas o azar que carregavam em seus embornais como fardo inevitável.
Nem é caso de lembrar quando eles resolveram andar de
bicicleta, um carregando o outro na garupa. Caramba!... Aí é que suas carcaças
receberam marcas e marcas, algumas que até os levaram à solidária internação
hospitalar. Aliás, no hospital da PMERJ,
em Niterói, havia um quarto com
duas camas sempre esperando os azarados. Sim, eles eram clientes preferenciais
do nosocômio, sem falar nos acidentes que lá mesmo ocorriam, de modo que muitas
vezes as altas tinham de ser adiadas para novos tratamentos.
Certo dia, Serafim e Expedito foram a um terreiro de candomblé
por indicação de amigos. Diziam que o azar deles era quebranto e coisa e tal.
Não era!... Voltaram desencantados com o Babalorixá, pois logo na chegada da
dupla ele mesmo, o Babalorixá, deu uma baita topada num pequeno e enfeitiçado
toco de charuto e caiu de cara no chão, incrível acidente que ele logo atribuiu
à azarada dupla. Ainda houve outro durante a consulta mediúnica: um incêndio na
garrafa de cachaça, que quase explode tudo, provocado por Expedito no instante
em que o Pai de Santo lhe mandou puxar a fumaça de outro charuto. Das mãos do Babalorixá
até às mãos de Expedito, em pequeno espaço, a brasa do charuto fez o estrago,
pois Expedito deixou o charuto cair exatamente onde estava a cachaça. Zzzz...
Vupt... Puumm! Ai, ai, ai!... Eta dupla!... Não era dia de graça para uso de
charutos... Que me desculpem vocês!... Mas agora foi comigo o azar: acabei de
torcer meu fura-bolo ao ajeitar a cadeira para me acomodar melhor em frente do
computador! Ai! ai!... Ufa!... Vou dar um tempo... Depois eu volto...
Ainda bem que a má sorte daqueles PMs, que até me
atingiu, não afetava suas famílias; porque, afinal, seria azar demais. Com
eles, porém, coisas inacreditáveis realmente ocorriam, como, por exemplo,
quando estavam rodando em radiopatrulha nas ruas. Na Central de Operações já se
sabia que entrariam no rádio as comunicações mais estapafúrdias da paróquia,
como a que Serafim um dia repassara:
– Atenção, Central! Estou conduzindo o PM Expedito ao nosocômio. Cabeça
quebrada, positivo?...
– Po-si-ti-vo, RP,
po-si-ti-vo, mas, que houve? Você não comunicou nada?...
– Po-si-ti-vo, Central!... É que não deu tempo.
Expedito foi abordar um suspeito na calçada e não viu o bueiro sem tampa.
Enfiou-se nele e se deu mal...
Ou então era o contrário: Serafim fora chamado na rua
por uma aflita moça que se dissera assaltada por pivete ainda correndo à vista
de todos. Mas foi só Serafim romper atrás dele para tropeçar num paralelepípedo
e se esborrachar no chão, machucando-se deveras, enquanto o pivete sumia numa
dobra de esquina. Porém, tombo mais espetacular levaria Expedito numa feira
livre, onde ingressara cheio de autoridade para admoestar um português a vender
caro demais seus produtos, com a mulherada na maior chiadeira. E lá se foi
Expedito, o mulherio atrás em algazarra e xingamentos, quando de súbito ele
escorregou numa casca de banana esborrachando-se voluptuosamente no asfalto. Eis
o azarado indo direto ao HPM/Niterói, socorrido pelas próprias mulheres que
pretendia socorrer dos preços altos do portuga. Deste modo insólito, ele culminou
“visitando” Serafim, ainda internado, ficando ambos em “patrulha hospitalar”...
No quartel, havia grande preocupação dos companheiros
dos deles com o exagerado azar que os perseguia. A maioria das gentes fardadas
achava que Serafim e Expedito um dia teriam a má sorte de serem vítimas fatais
na profissão. Tinha lógica a apreensão, porque os azares não cessavam, nem
mesmo com mandingas, rezas e descarregos que eles repetidamente providenciavam.
Porém, o máximo que conseguiram foram muitas mordidas de cachorros ferozes numa
residência em suspeita de assalto, tendo os proprietários acionado a polícia,
mas com a casa fechada e os cachorros à solta no quintal.
Com a chegada apoteótica da dupla, se ali existisse
algum assaltante ele já estaria na China, tal o aviso que a sirene certamente
lhe daria. Ainda foi a estrídula sirene que irritou sobremaneira as feras, que
babavam e tentavam romper as grades do portão para abocanhar as canelas e
outras partes mais íntimas dos azarados patrulheiros, ambos assustados, sim, mesmo
que protegidos pelas grades.
Surgiu então o dono da casa olhando para todos os lados
à procura do ladrão, este que se escafedera fazia tempo. Foi quando Serafim
falou: “Prenda os cães!” E logo o dono da casa correu a cuidar do pedido,
chamando os cachorros à ordem. Sim, a energia do dono da casa levou-os ao
canil, onde foram presos a sete chaves, enquanto Serafim e Expedito vasculhavam
minuciosamente o quintal, com o portão já aberto para a entrada deles. Nem
tanto assim a sete chaves, eis que, delas, o cidadão se esqueceu de rodar a
última, ficando os endiabrados cães presos com apenas seis, número insuficiente
para lhes conter a ira. E todos os cães avançaram contra Serafim e Expedito,
decerto vendo-os como lauta refeição... Três meses internados, lanhos e mais
lanhos pelo corpo todo, os cães eram da raça Pitbull...
Diriam os leitores: “Mas que azar danado!” E o diriam
com inteira razão, porque três meses depois já buscavam outra solução
espiritual para lhes eliminar da vida o azar. Com essa esperança, foram a uma
conhecida cartomante, que, segundo diziam, costumava tirar com sucesso absoluto
os quebrantos e todas as demais espécies de maus-olhados, jetaturas e
caiporismos existentes na face da Terra.
Partiram então à cartomante, subindo a ladeira do Morro
dos Predestinados, designação merecida, de tanto que a tal sortista já
resolvera problemas alheios, além de assegurar a todos que encarnava o espírito
da cabocla Bárbara, que, no passado, profetizara a briga entre os filhos
gêmeos, Pedro e Paulo, ainda no ventre materno, como biblicamente ocorrera com
Esaú e Jacó, e assim como narrou o mestre Machado de Assis. Mas, no caso de
nossos mal-aventurados patrulheiros, não estavam eles preocupados com “coisas
futuras”, e sim com o azarado presente.
Contudo, nem chegaram à cartomante, o azar não lhes
permitiu tal intento. O terreno lamacento e escorregadio, de anterior
chuvarada, deveria ter sido suficiente para que a dupla desistisse da ideia de
arriscar a sorte (ou o azar) naquele malfadado dia. A esperança, porém, era
mais forte, e eles preferiram se arriscar na aventura de subir o lamacento
morro em busca de solução definitiva para seus azares. O que conseguiram,
todavia, foi um espetacular tombo, ora rolando Serafim, ora Expedito, ambos
grudados pela lama, como arroz de japonês, a escorregarem ladeira abaixo sem
nada a lhes travar de caminho. Pararam somente no pé do morro, com ferimentos
vários e muitos músculos luxados. Incrivelmente, desta feita entenderam que
tiveram sorte, eis que nada quebraram. E retornaram animados, porém mancando
como condenados e expandindo sofridos ais.
Entre tombos sensacionais, e tiros no lombo, e
trombadas de carro, e topadas, Serafim e Expedito entraram de férias. Como eram
unidos na alegria e na dor, resolveram viajar com as famílias para uma praia na
Região dos Lagos, onde alugaram uma casa. Já na rodovia as mulheres avisaram
que eles estavam proibidos de ingressar na cozinha, qualquer que fosse o
motivo. Eles, sérios e compenetrados, concordaram, tinham consciência do azar
que os perseguia; porém, não davam os pescoços à forca; esperavam o dia de tudo
mudar e a sorte chegar, mesmo que tardiamente. Enfim, e apesar dos pesares,
eram otimistas...
Durante a viagem, na peleja entre o azar de ambos e a
sorte das famílias, ganharam as últimas. Ainda bem, porque acidentes em
estradas sempre acarretam vítimas fatais, que não é o caso de aqui inseri-las
porque seria azar demais... Daí é que, assim, tranquilamente, eles chegaram ao
destino, o carro lotado de gente, só parando em frente da casa, à beira da
praia do Peró, em Cabo Frio.
Frio induz a se pensar em “fria”, pois logo que
desceram do carro Serafim e Expedito deram asas ao caiporismo. Sim, logo na
chegada, posto que ambos se dirigiram ao porta-malas a trocar gentilezas.
Expedito dirigira o carro e Serafim cogitara retribuir-lhe o esforço levando
para dentro da casa a bagagem. Foi quando Expedito, distraído, abriu de súbito
o porta-malas, exatamente na hora em que Serafim abaixava a cabeça na linha de
encontro com a tampa que subia. Foi aquela pancada na testa! Pior ainda foi a
reação de Serafim, que arriou a tampa no susto exatamente no momento em que
Expedito enfiara a cabeça debaixo dela para ver a bagagem. Que pancada na
nuca!... Ficaram olhando um para o outro, ambos atônitos e coçando as doloridas
cabeças, um atrás e o outro na frente, enquanto a mulherada e os filhos riam às
bandeiras despregadas, o menorzinho rolando no chão todo mijado e borrado,
encenando uma galhofa particular em homenagem aos dois azarados.
Será que depois disso eles perderam o otimismo?... Que
nada! Afinal, a praia estava ali, azul, limpa (?), linda, convidativa. As
famílias entraram na casa, mas com eles antes dispensados pelas patroas com a
ordem de permanência do lado de fora para evitar mais acidentes. Somente depois
de tudo arrumado é que finalmente foram chamados a entrar para trocar suas
roupas austeras por calções de banho. As famílias, por esta hora, estavam já
arrumadas em estilo e imediatamente partiram à praia. Eles entraram e deram de
cara com uma lastimosa realidade: as patroas se esqueceram de levar-lhes os
calções; só colocaram na bagagem suas cuecas sambas-canção. Depois de muito
tempo é que eles foram ao comércio e lograram comprar novos calções de banho;
mas o lusco-fusco do anoitecer já lhes transferia o banho de mar ao dia
seguinte...
Mal amanhecera, lá estavam os dois, de calções
exatamente iguais, – de um ridículo vermelho vivo, eis que na loja não havia de
outras cores, – correndo em direção à água. É claro que sem as devidas
precauções, porque, além de quente, a areia estava cheia de cacos de vidro
jogados por farofeiros irresponsáveis durante a anterior noite de farra. Já
sabem o que lhes aconteceu... Os dois azarados de pés cortados, dor lancinante,
sangue voando longe e eles indo à farmácia sem nem mesmo pisarem na água.
Voltaram de caras chorosas, com a recomendação do farmacêutico para se
preservarem até que os cortes sarassem, ambos ainda com os traseiros formigando
da picada do antitetânico... Mas creiam, sortudos leitores, que nem assim eles
perderam o otimismo...
Três dias vendo a família mudar de cor, indo ao bronze,
e eles, brancos como a neve em inverno rigoroso. Ah, peguei vocês!... Sei que
muitos estavam pensando que Serafim e Expedito eram negros devido aos nomes.
Aí, cá pra nós, neste país das desigualdades e das segregações raciais seria
azar demais!... Acham que não?... Ora, seria sim, não faltaria quem não
estranhasse preto na praia, como se tomar banho de mar e pegar sol fossem
privilégios apenas de brancos.
Eles eram brancos, sim! E três dias depois finalmente
conseguiram chegar à água e mergulhar. Não, não bateram com cabeça nas pedras,
não! Foram precavidos e mergulharam somente onde os filhos faziam o mesmo. E
ficaram no banho, com a água salgada curtindo suas peles alvas e o sol lhes
queimando os lombos sem que eles o percebessem. Deste modo, eles se foram
avermelhando, apimentando, efervescendo e... pronto: queimadura de primeiro
grau em ambos! “Eta azar!”, até pensaram, mas as famílias discordaram,
convencendo-os de que eles apenas não atentaram para os perigos do excesso de
raios solares, não se tratando, portanto, de azar. Eles ouviam as ponderações
das mulheres e das crianças, dando-lhes razão, enquanto externavam
intermináveis ais...
Mais três dias de sombra, pomada e ansiedade, com
Serafim e Expedito olhando da varanda a família se divertindo. Estavam
chateados, de um lado, porém felizes em ver a família contente, do outro. Assim
curaram os pés e quase que também as queimaduras, os dois planejando como
agiriam no dia seguinte para curtirem a praia sem acidentes. Não lhes seria
fácil, eles sabiam, mas já estavam acostumados aos azares. Enfim, torciam por
eles mesmos...
– Amigo, vamos nos separar amanhã para enganar nosso
inimigo? – sugeriu Serafim a Expedito.
– Concordo. Se o Azar vier, vai ter de escolher só um
de nós. Assim pelo menos o outro se salva – animou-se Expedito.
Pensavam erradamente. O azar era multifacetado,
onipresente, e tinha como se dividir para alcançá-los num átimo. Eles é que não
sabiam disso, e foi pior a emenda que o soneto, aforismo apropriado ao acidente
que eles arranjaram mesmo que astutamente separados. Sim, a má fortuna era mais
arguta que ambos, independentemente de eles se postarem a quinhentos metros um
do outro, distância em que se comunicavam apenas com acenos de mão,
especialmente com o polegar de uma delas de quando em quando voltado para cima
indicando o Oll Korrect, pois os
azares da parte da manhã foram por eles superados e o sol já começava a ceder
seu brilho ao crepúsculo do anoitecer, sem que nada de novo e azarado
acontecesse...
Veio-lhes a noite, e eles, abusando demais da sorte,
ficaram curtindo as delícias da água ainda aquecida pelo sol causticante do
dia... Distraídos, porém, não viram que vinham vindo umas barbatanas
ameaçadoras na direção deles, um grupo de barbatanas para Serafim, e outro
grupo de barbatanas para Expedito... Eram pequenos tubarões que arremeteram
contra os azarados como aqueles cachorros bravios lá de trás. E eles,
apavorados, pularam fora d’água do jeito que o Todo-Poderoso lhes permitiu e
ajudou, senão teriam morrido. Não morreram, é verdade! Porém, ficaram com os
corpos lanhados e foram levados por populares ao hospital mais próximo... Três
meses de mertiolate, pomada e ataduras deixando Serafim e Expedito como
verdadeiras múmias egípcias. É óbvio que as férias terminaram antes do tempo,
para azar também das famílias, que voltaram desalentadas...
Mas, “será o Benedito?”, diziam no quartel os
companheiros de Serafim e Expedito, já sabedores do mais novo azar, sempre o
penúltimo da vida deles. Nem souberam o que houvera antes naquelas malfadadas
férias e na azarada praia; muito menos souberam que depois, ainda no hospital,
outro acidente pegaria a dupla antes da alta. Uma bobagem à toa, mas tinha de
acontecer com eles: a enfermeira se distraiu e deu aos dois diversos comprimidos
de laxante em lugar do antiflogístico prescrito. Eram exatamente iguais...
Fim de férias, o trabalho chama-os de volta; e também às
galhofas dos companheiros, que fugiam da dupla fingindo-se medrosos e avisando
que azar “pegava” feito AIDS. E eles, coitados, desta vez sentiram certa
discriminação; porém, como sempre, não reclamaram. No fundo, tinham esperança
de que aquela fase azarada um dia se findasse por conta de alguma fada bondosa.
Sim, leitores, eles eram azarados, mas jamais perderam a fé!...
Saíram de serviço depois de vinte e quatro horas sem
qualquer acidente de percurso. Dentro do alojamento, já de banho tomado, e sem
acidentes, Serafim e Expedito se entreolhavam desconfiados. Seria possível?...
Seria, sim. Realmente, depois de muitos anos, eles passaram, juntos, vinte e
quatro horas consecutivas sem que nada de anormal lhes acontecesse. Resolveram
aproveitar a maré de sorte (ou de distração do Azar) e jogaram ambos na
mega-sena acumulada... E foram sorteados! E apenas os dois! E, pasmem: sessenta milhões de reais!
Foram-se embora o Azar, e a Polícia Militar, e a
radiopatrulha, e todo o resto da farda esmerilhada por tantos azares, posto que
ambos pediram licenciamento e se mandaram para outras paragens. Sim, hoje eles curtem
com suas famílias a doce vida dos ricos. Sim, sim, partiram do azar extremo
para uma sorte inigualavelmente absurda, como somente poderia acontecer neste
caso, para azar dos que torceram para que esta história jamais terminasse ou
que terminasse mal para os azarados! Pois assim sói comportar-se a sociedade em
relação a PMs: infelizmente, desejam-lhes sempre o azar!...






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