Não
sei por que meu espírito põe-me a sonhar em demasia. No limiar do
meu tempo, insisto em sonhar na solidão da madrugada fria, no silêncio
inviolável de mim mesmo, e a tinta da caneta escorre pelo papel gravando ideias
soltas que talvez nem me interessem, quanto mais a outrem. Mas não consigo
travar o ímpeto de escrever sobre qualquer coisa sonhada, é algo mui forte a me
impingir silêncio, solidão e sonho. Tem sido assim desde anos; não consigo ser
normal como a maioria que gasta o tempo em bares ou em frente da tevê, o que
também gosto, mas para mim é pouco. Não gosto do dia, da agitação que
caracteriza as grandes cidades. Quem dera poder viver em cidades menores ou no
campo, entre flores vicejando em cores e pássaros pipilando em alegria. Mas, não. A
cidade grande e a necessidade de sobrevivência neste mundo agitado me impuseram
uma vida dura. Mesmo assim, em meio a adversidades mínimas e máximas, entre
dores e amores, tentei até então viver e alegrar-me com a vida. Segui os
padrões: namorei, casei e fiz dois filhos. Assumi outro menino, de 11 anos, que
perambulava na Praça Tiradentes, Rio de Janeiro, engraxando sapatos. Descasei;
casei novamente; e fiz gerar uma pequerrucha cuja mãe, como a outra, também não
me passou de sonho. Tudo bem, a vida pertence ao dono, e um dia a pequenina
terá de se valer das próprias pernas e viver até cumprir sua última cláusula no
Grande Contrato da Vida.
Há
certo pessimismo em mim, talvez, mas não me custa sonhar, tergiversar, versar,
prosar, poetar, consumir-me no meu sonho. Não há mal nisso, não causo prejuízo
a ninguém, é ato isolado do meu espírito desgarrado. E assim gasto tinta sem
concluir nada; apenas gravo um sonho qualquer, inofensivo, talvez um pedaço de
mim que se solta e perde-se num espaço tão infinito que me torna um nada, tal
como meu sonho. Sim, não sou dono de nada, nada me garante que tenho, nem sei
se sou e só “sei que nada sei”. Enfim, talvez eu não passe dum sonho de mim
mesmo que aos poucos se esvai ante a inexorabilidade do tempo, enquanto espero
chegar ao pó de onde vim.
Será
que eu realmente existo? Mas, se existo, sou o quê?... Para alguns, é fácil
concluir pelo caminho dos deuses e santos; para outros, basta o Deus único,
Este, tão sonhado e jamais apalpado além da virtualidade de um sonho que um
dia, após a morte do corpo, talvez também se me realize. Na verdade, Deus é
sonho tornado realidade em vida como modo de justificá-la, de entendê-la como
utilidade, embora não lhe caiba, à vida, nenhuma finalidade além de nascer
envelhecer e morrer, seja o seu dono (da vida) herói ou vilão.
Sim,
por que nascemos? Pra quê?... Segundo a ciência, para a multiplicação pura e
simples da espécie, como sói ocorrer com tudo que respira na Natureza, que se
nos impõe com suas regras eternas. Somos apenas corpos comandados por um DNA
que nos impele à procriação tal como os demais seres vivos, dos quais mui pouco
diferimos. Ah, somos inteligentes, racionais etc. Conseguimos sonhar, temos
imaginação fértil, somos capazes de modificar a realidade, mesmo que esta seja
irreal. Aliás, modificamos tudo, até o planeta, para suprir nossas loucuras,
das quais a maior é a guerra, a destruição de nós mesmos em decisões sem
sentido. Ou seria isto mero determinismo, idêntico ao dos animais que se
alimentam até de seus filhotes em alguns casos? Ah, nem tanto, nós não nos
alimentamos de nossa carne, salvo exceções canibais havidas ao longo da
história da vida humana; ah, na verdade somos piores, pois gostamos de destruir
fisicamente os da nossa espécie. Somos animais “racionais” sem que possamos
definir que “razão” é essa. Cá entre nós, sonhamos até destruir aqueles que nos
incomodam ou maltratam, e talvez não realizemos tais intenções por medo da
punição terrena ou temor do inferno... Não houvesse freio, esses sonhos
mal-intencionados seriam desgraçadamente concretizados. Tendemos, com efeito, à
maldade, embora nos finjamos bons. Contudo, há bons sonhos, ou ruins, e ambos
são necessários para à evolução do espírito. Será?...
Sim,
ocupo-me da madrugada insone para refletir em torno do absurdo da vida, do
livre-arbítrio etc. Gasto tinta, sujo o papel com letras, palavras e frases que
talvez nada signifiquem. Sinto-me, porém, aliviado, e aos poucos o sono me
começa a abater. Envolvo-me na manta e me recolho ao leito. Quando amanhecer
terei de conferir se escrevi algo ou se apenas sonhei... Estou em dúvida, não
posso esclarecer nada, o sono não me deixa pensar. Espero que tenha escrito
alguma coisa, ainda que inútil. Se não, pelos menos creio que sonhei.
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