“No gênero dos contos (...). É gênero difícil, a
despeito da sua aparente facilidade, e creio que essa mesma aparência lhe faz
mal, afastando-se dele os escritores, e não lhe dando, penso eu, o público toda
a atenção de que ele é muitas vezes credor.”. (Machado de Assis, Crítica Literária, W. M. Jackson Inc.
Editores, 1957)
CENTRO DE PAPUCAIA - CACHOEIRAS DE MACACU/RJ
– ...
– E aí velhinho?
Perdeu!...
– Vem malandro!...
Este rápido diálogo, por mais simples que pareça, foi o
desfecho dum violento tiroteio entre quatro assaltantes e corajosos PMs do
Destacamento de Policiamento Ostensivo (DPO) da Polícia Militar, em Papucaia,
2º Distrito do Município de Cachoeiras de Macacu, no Km 20 da RJ-126 (Estrada
Niterói-Friburgo). O “velhinho” a quem um dos assaltantes assim se referiu era
na época o subtenente Peixoto, valoroso comandante do DPO; e a resposta foi a
que ele deu ao facínora que comandava o assalto ao supermercado Vidal, mantendo
a proprietária como refém, uma papucaiense de nome Sônia Vidal. Eram cinco os
assaltantes. Um deles permanecera ao volante do carro, um Escort, pronto para a
fuga. Não foi bem assim o final de tudo para o bandido, como vocês verão...
DPO DE PAPUCAIA
Era momento de extremo perigo, sim, principalmente para
a aflita Sônia Vidal, manietada pelo facínora no escritório que fica nos fundos
do supermercado, num segundo andar com escada de acesso para o salão do supermercado.
Mas lá estava pó experimentado o subtenente Peixoto, neste salão, em meio às
prateleiras, esperando friamente o momento de agir. Havia ainda mais três
assaltantes no interior do supermercado e do depósito, que lhe é contíguo, e cujo
acesso se dá por uma passagem interna ligada ao salão de exposição de
mercadorias; mas todos os assaltantes estavam já acuados por destemidos PMs que
lá chegaram a tempo de cercá-los para frustrar o assalto.
O supermercado Vidal situa-se no centro urbano do
lugarejo, onde se concentram os demais estabelecimentos comerciais. Fora
invadido pelos quatro ferozes assaltantes vindos do morro do Salgueiro, Rio de
Janeiro, num sábado à noite. Eles saíram da capital para assaltar em Cachoeiras
de Macacu decerto pensando deparar com facilidades. Subestimaram os PMs interioranos
e por isso partiram para o fim inglório: foram ao encontro do capiroto e hoje
queimam merecidamente no inferno. Mas vamos ao início de tudo, sem pressa, é
claro, em típica prosa interiorana regada a pinga de quando em quando e
apimentada com alguns exageros a valorizar o relato deste episódio real.
Amanhecia no vale do rio Macacu. Era setembro de 1996.
O movimento de gentes começara, como sempre, ao despontar dos primeiros raios
de sol a secar o mato molhado pelo orvalho caído na madrugada. Estava a
temperatura ainda amena naquela região situada quase que ao pé das serranias friburguenses.
E logo cedo, muito cedo ainda, já se viam as carroças e se ouvia o ranger das
rodas rodando em direção ao centro comercial de Papucaia.
Lá, tudo é pertinho. O povoado é pequena “ilha” cercada
de mato por todos os lados, com seus caminhos de chão socados há anos pelos pés
descalços e laboriosos dos roceiros trazendo-os para a pequena zona urbanizada,
inclusive asfaltada. E tão logo o sol esquentava os corpos daquelas gentes
surgiam os tabuleiros nas portas das vendas expondo legumes, verduras, frutas
etc. Também se colocavam à disposição dos consumidores o leite e seus
derivados, tudo vindo da roça próxima. Era e ainda é a rotina do sábado
papucaiense, dia em que o pequeno comércio torna-se grande para atender aos
milhares de sitiantes vindos da cidade. Por isso as carroças chegam ao
lusco-fusco do alvorecer, ainda como silhuetas, antes de começar o agitado movimento
de sitiantes, chacreiros, fazendeiros e turistas.
Sim, em Papucaia a invasão começa na sexta-feira. De
segunda a sexta, porém, o marasmo predomina, a vida se arrasta em monotonia, o
tempo ganha tempo e o povo perde a pressa naquela bucólica região do vale do
rio Macacu. Mas ao apontar no horizonte a noite de sexta-feira Papucaia começa
a fervilhar de gente amiga que chega e entope as poucas ruas, as calçadas, os
bares e a pracinha, ecoando longe o alarido saudável de quem é sempre
bem-vindo: moças e rapazes do Rio, de Niterói e de muitos outros lugares, que
elegeram Papucaia como segundo lar. Ali tudo é paz, a cerveja é saborosa e
geladinha, além de servida com um toque de amizade. Sim, são também deliciosas
as iguarias e outras bebidas que se esgotam no saudável vaivém de copos às
bocas, e às mesas, e às bocas, e novamente às mesas, as garrafas e as latinhas
secando umas após outras.
A descontração é a tônica das rodas de rapazes e moças;
a tranquilidade e a segurança estão presentes entre os jovens; todos se
conhecem e são conhecidos pelos nativos do lugarejo. Por sinal, os nativos são
fruto de gerações vindas de longe. Há japoneses, com grande colônia, clube
exclusivo, e avançados sítios de plantio. Eles são de épocas mui antigas, mas
lá existem ainda vivos muitos que vieram do Japão direto a Papucaia, e é
possível que ainda venham novas levas de simpáticos nipônicos nesses tempos
atuais. Por conta desta agradável invasão o distrito é lotado de nisseis já
desdobrados em gerações mais recentes e abrasileiradas.
Há também italianos e descendentes que vieram tentar a
vida em terras brasileiras e deram com seus corpos na roça papucaiense. E há
capixabas, fidelenses, campistas, gonçalenses, niteroienses e demais
forasteiros de longe e de perto que povoam aquela terra abençoada pela
veneranda Nossa Senhora de Fátima, cuja Igreja Matriz fica no centro de
Papucaia, na Rua Ubaldo José Rocha, famoso sitiante que fez de Papucaia sua morada.
Por isso está homenageado. Nesta rua fica também o DPO da Polícia Militar, a
casa dos PMs protetores da comunidade papucaiense.
O povoado é pequeno. Tem a rua principal, que os
nativos designaram como Avenida General Paulo Francisco Torres. Nela, o
comércio é mais forte. Há as farmácias do João e do Veras, o supermercado
Vidal, a padaria da esquina, o posto de gasolina do Pedro, as lojas de
materiais de construção e de utilidades da Dona Hilda, do Adilson e do Tadeu, a
loja de móveis, eletrônicos e utensílios do Didi e a loja de ração do Juca, uma
referência à parte, eis que ele é responsável pela vinda de muitos sitiantes
para Papucaia. E muito mais atrativos há por lá.
Juca é figura notória em Papucaia, não há quem não o
conheça e dele não goste. Veio pequeno de São Fidelis, trazido por seu pai para
se radicar no lugarejo. Lá cresceu, casou, teve filhos e netos. Foi com Juca
que praticamente tudo começou, ele funcionando como ímã a atrair sitiantes em
troca de sua ótima amizade. Sim, naquele lugar ninguém se pode considerar
bem-vindo sem o aval de Juca. É mesmo, tem antes de receber a aprovação de Juca
para ser acolhido. A recomendação dele vale mais que uma gorda conta bancária.
Se Juca afirmar que um sujeito é bom, é porque de fato ele é. Mas se Juca
torcer o nariz para alguma pessoa, ela pode pular fora de Papucaia que lá não
conseguirá viver comunitariamente. A honestidade e a seriedade de Juca são seus
principais referenciais; e quando ele delega iguais atributos a alguém isto
vale mais que qualquer aval oficial.
Nos fins de semana, a família papucaiense aumenta;
apenas aumenta, porque ali não há estranhos. Nos sítios e fazendas as luzes
acesas trazem a vida ao mato verde até então perdido na escuridão da semana
vazia de gente. Na sexta-feira à noite o brilho das lâmpadas ilumina as ruas de
chão, as planícies, as colinas e as casas, fazendo pulular vida humana em meio
aos bichos do mato e do quintal.
Em Papucaia, as ruas numeradas esperam um dia receber
nomes, mas ninguém deseja que esse dia chegue. Todos querem o tempo parado e
exclusivo. Nada mais que isso, além dos pássaros enfeitando o ar com suas cores
e enternecendo as pessoas com seus pios maviosos. Nada além de paz, harmonia e
divertimento sadio.
Na sexta-feira à noite há os atrativos musicais que
varam a madrugada. A farra descontraída dos jovens que chegam contagia os
rapazes e as moças que lá residem, e se inicia a confraternização harmoniosa, a
democrática paquera em equilíbrio de forças. Às vezes os tímidos rapazes e
moças de Papucaia fisgam sitiantes, embora estes venham ao ataque com a
desenvoltura aprendida nas cidades grandes. Mas, em qualquer hipótese,
geralmente quem ganha é o Cupido. O deus alado do Amor já levou muitos jovens,
em memoráveis conúbios, ao altar-mor da Igreja Matriz de Nossa Senhora de
Fátima. É verdade, pois não são poucos os forasteiros que fincaram
definitivamente os pés em Papucaia, formando novas famílias.
Na evolução das disputas dos encantos mútuos, quem
sempre sai ganhando é o padre e o balneário papucaiense, este que aumenta a sua
população saudavelmente. Isto ocorre há anos, e por isso a família papucaiense
está sempre a aumentar e a cruzar seus laços afetivos. Este é o ambiente social
de Papucaia, pérola rural fascinante. Papucaia tem gosto de mel, tem a
maravilhosa beleza da mata e dos bichos, tem a descontração dos espíritos
desarmados, tem o descanso e a paz.
E assim amanhece o sábado. E vem o sol. No verão, ele
chega vigoroso a derramar seus raios e esquentar o chão. No inverno e noutras
estações mais amenas o sol é tímido pela manhã, só indo aquecer o ar lá por
volta do meio-dia. Mas ao entardecer ele vai cedendo espaço à noite e ao frio.
É muito gostoso sentir o sol indo e vindo em Papucaia. Lá, bem perto do Rio de
Janeiro e de Niterói, o sol ainda é o sol do sertão, aquele que todo ser urbano
daria a vida para senti-lo na pele recebendo as carícias de seus raios mornos,
diferentes dos que jorram nas cidades grandes. Na cidade o sol não tem graça a
não ser nas praias. No sertão ele é abençoado, assim como a chuva, que traz o
cheiro da terra, que faz brotar a vegetação luxuriante, que faz crescer a
comida do gado e dos cavalos, que produz, enfim, os alimentos sadios.
Papucaia é famosa pela criação de cavalos manga-larga e
campolina, além de produzir bastante leite. Também se tornou notória devido às
festas de rodeio, aos concursos de gado leiteiro e às evoluções treinadas da
cavalhada que ocorrem na Fundação Rural Vale do Macacu, situada na margem da
estrada, no Km 21 da RJ-126. São belas as festas em Papucaia, muito concorridas
e com afluência de milhares de pessoas, geralmente apresentando musicais de
artistas famosos. A principal festa ocorre em fins de julho e início de agosto.
Nas primeiras horas da manhã de sábado o movimento de
sitiantes muda o ambiente em Papucaia. O comércio abre cedo. Às sete horas, no
mais ou no menos, já se ouve o barulho das portas de aço encolhendo-se em rolos
nas vergas dos umbrais das lojas comerciais. E se abrem farmácias, empórios,
lojas de materiais de construção e de ração animal, açougues, além de muitos
outros pequenos estabelecimentos. Os bares, preguiçosos, dormem até mais tarde
junto com os jovens com os quais romperam, bebericando, a madrugada de
sexta-feira para sábado.
Papucaia é assim, terra de roça acolhedora e acostumada
a receber forasteiros, desde que sejam bem-intencionados. Se não forem, lá
estão os PMs de olho vivo nas exceções, sempre ajudados pelos que se integram à
família papucaiense. Em Papucaia é proibido o anonimato. Ou se chega ou não se
chega, mas sempre quem chega tem de ter nome e cara. Ali não há multidão de
desconhecidos, mas numerosos grupos que se integram em amizade. Um estranho
deixa de sê-lo ao ser apresentado por alguém. Se não, fica sem referência e
passa a ser observado com desconfiança.
É assim na roça. Engana-se quem pensa ser possível
desfrutar de anonimato em Papucaia, ainda mais com fins criminosos. E foi por
isso que o famigerado traficante Celsinho da Vila Vintém deu de cara com o azar
na terrinha. Achou que se poderia esconder da polícia em Papucaia. Ele surgiu
umas vezes no centro comercial e foi preso por denúncia papucaiense. Lá o povo
ajuda a polícia a tomar conta de tudo. Ninguém é capaz de passar despercebido
em Papucaia, lugar onde os PMs a todos conhecem e de todos são conhecidos,
estejam ou não fardados. Lá os PMs se integram à grande família. E foi lá, num
sábado à noite, que tudo aconteceu...
O centro comercial estava apinhado de gente. Era início
de mais uma noite de alegria, pelo menos assim se pensava. Muita gente
descontraída fazia compras, enquanto outros chegavam, já arrumados, para curtir
uma noitada de divertimento seguro e tranquilo, para desfrutar da paz de
sempre, para cavaquear com amigos em rodas de cerveja. Mas naquele início de
noite haveria o terror quebrando a paz...
Os bandidos chegaram num carro suspeito, um Escort.
Eram cinco cabeças criminosas prontas para o bote.
– Olha aí, moçada! Tô sabendo que no mercado tem muita
grana. Hoje é dia de maior movimento e as caixas tão entupidas de grana. Mas
temos que chegar e sair rápido... – ordena Negão, o chefe do bando.
– Mas, Negão, como é que vamo fazer a parada? – indaga
Navalhada.
– É o seguinte: Fuinha fica no carro esperando; eu
entro com Cabeção; Zé Farinha e você ficam no salão. Eu vou ao escritório
render os dono e pegar a grana. Mas tudo depois que o mercado arriar as porta
até o meio e sair o último freguês. A gente fica enrolando lá dentro, fingindo
que tá comprando alguma coisa, todo mundo separado pra num chamar atenção.
Quando eles começar a arriar as portas, é a hora – explica Negão.
– Então eu entro contigo até lá atrás e Navalhada fica
no salão com Zé Farinha pra render as caixas? – indaga Cabeção.
– Isso, isso! Vou repetir: eu e você corremo pro fundo;
na hora certa rendemo o pessoal do escritório e pegamo a grana toda; Navalhada
e Zé Farinha rende as caixas, pega a grana das gavetas e toma conta da porta
até nós voltar. Tudo jogo rápido. Depois a gente vamo em frente com o carro e
saímo por outra rua escura. Fuinha fica com o motor ligado. Tá entendido? –
indaga Negão, obtendo a concordância dos demais bandidos.
Enquanto circulavam, conversando, como se fossem ingênuos
anônimos, os bandidos percorreram com o Escort a Rua General Paulo Francisco
Torres. Nem perceberam que muitos olhos atentos já os observavam. Os PMs
estavam espalhados, em ronda, mas todos ligados uns aos outros. O subtenente
Peixoto, como sempre fazia na folga, mantinha-se alerta. Era morador antigo e
conhecia cada vivente que por lá circulava. Naquela época nada em Papucaia
passava ao largo de sua vista atenta e experimentada. Outros PMs de folga e
também moradores em Papucaia circulavam entre as pessoas de presença comum no
povoado. E todos, sem que os meliantes os percebessem, observavam o estranho
quinteto.
Confiantes e atrevidos, os bandidos tocaram o carro em
direção ao supermercado. Não notaram, porém, que muitos os seguiram a pé, sem
que ainda entre si se comunicassem a não ser por discretos olhares e meneios de
cabeça. Era a presença de espírito do policial levando-os ao inevitável
confronto com os bandidos... Daí em diante foi tudo muito rápido. O carro dos
assaltantes estacionou além da porta do supermercado; eles saltaram, entraram e
se espalharam pelo salão. Quando as portas começaram a arriar, sacaram suas
armas e anunciaram o assalto, provocando correria e pânico entre os poucos clientes
e os atônitos empregados.
– Se liga, moçada! É assalto! Todo mundo pra fora!
Vocês da caixa passa a grana! Rápido! Rápido! – Grita Negão, o chefe do bando.
– Navalhada e Zé farinha, recolhe a grana! Quem reagir mata logo! Vamo nessa,
Cabeção! Vamo pro escritório! – completa Negão.
Eles agem rápido; porém, tão ou mais rapidamente os PMs
cercam o local, com o subtenente Peixoto à frente do grupamento. Ao verem os
policiais chegando, os dois assaltantes que estavam próximos da porta correm
para dentro do salão, juntamente com Cabeção, que se apavora e permanece junto
com Navalhada e Zé Farinha. Negão sobe ao escritório e rende a proprietária,
Sônia Vidal.
– Chega pra lá! Vamo pra dentro; passa a grana toda!
Rápido! Rápido, senão morre! – grita o bandido.
– Sim, senhor! Pode deixar! – responde Sônia à ordem do
bandido tremelicando de medo.
Mas do lado de fora o subtenente Peixoto também dá suas
ordens aos subordinados:
– Olha aí, pessoal! O Darinho e o Leonam entram comigo.
Vocês dois ficam na porta e os outros cercam por trás. Vão rápido, senão eles
podem fugir pelos fundos.
Dito, armas prontas, alguns PMs entram no supermercado,
de talvez uns 400 m2
no mais ou no menos, enquanto os demais fazem o cerco pelos fundos. E começa um
cerrado tiroteio em meio aos gritos apavorados de uns poucos clientes
retardatários e de empregados que se jogam no chão ou abandonam
atabalhoadamente o local, mas com a saída já livre da presença dos assaltantes,
que já haviam debandado para os fundos.
Tudo muito rápido, mesmo, balas ricocheteando nas
prateleiras em perigosas desviadas, assim os PMs Dário e Leonam acuam três
marginais no salão, enquanto Negão mantém Sônia Vidal de refém no escritório.
Nos fundos, os demais PMs, fardados e à paisana, cercam a área e aguardam o
desfecho da troca de tiros que ouvem do lado de dentro, uma escaramuça
infernal, com Negão mantendo Sônia Vidal de refém e trocando tiros isoladamente
com o subtenente Peixoto. Enquanto isso Cabeção se escafede por uma porta do
depósito, galga o muro dos fundos e ganha a rua... e a morte, eis que enfrenta
a tiros os PMs que faziam o cerco.
Navalhada e Zé Farinha tombam mortos dentro do salão, –
o primeiro, próximo ao balcão de charques, e o outro, perto das estantes de
bebidas, – sobrando Negão e Sônia Vidal em situação aterradora. O bandido parece
possuído pelo demônio. Não para de atirar contra o subtenente Peixoto, que, por
sua vez, não pode revidar para não atingir a refém. Astuto e corajoso, o
subtenente manda que todos os PMs se retirem, ficando somente ele no interior
do supermercado. Ele, Sônia Vidal e o bandido. Enquanto isso, Fuinha se
escafede com o Escort. Não foi apanhado.
– E aí Negão, vamos negociar? – provoca Peixoto,
tentando dialogar com o marginal.
– Tem papo não, velhinho! Tô numa boa. Qualquer coisa,
mato a moça!
– Calma aí, rapaz! Você tá sozinho. É melhor se
entregar...
A resposta do bandido é uma saraivada de balas em
direção do policial, que, porém, está bem protegido. E a cada tentativa de
negociação o bandido responde com tiros, sem que Peixoto possa revidar. É
quando o experimentado PM dispara seis tiros consecutivos e esparsos em
segundos, de tal modo que o facínora os possa contar. É o que faz o bandido:
conta os tiros e sai da toca, certo de que a arma do subtenente está vazia. E
em frio cinismo entra a falar com o policial nos termos descritos lá no início:
– E aí velhinho? Perdeu!...
– Vem malandro!...
O valoroso PM não perdera, eis que portava outro
revólver já antes deixado sobre uma pilha de latas de óleo, próximo à mão
direita dele. Deste modo, quando o arrogante bandido surge no pé da escada,
para atirar na supostamente indefesa presa, recebe no peito o impacto mortal do
tiro certeiro disparado pelo experiente policial. E lá se foi Negão encontrar
com seus comparsas no inferno. Seguiu em mala direta, via sedex, para se
abraçar ao diabo, sem mais perigo para a apavorada refém, esta que permanecera
no escritório em segurança. Na verdade, o bandido partiu dessa para o
além-túmulo por conta da astúcia do policial, que assim agiu para afastá-lo da
refém. Que presença de espírito, hein!...
O encontro do subtenente Peixoto com a refém foi deveras
emocionante. Ambos se conheciam e se estimavam desde muitos anos. É certo que
Peixoto, mais velho que Sônia Vidal, viu-a desde a adolescência trabalhando no
supermercado, até testemunhar seu casamento com Vidal, o patrão. Sim, caros
leitores, por trás dessa história de confronto armado e mortes há outra, de
amor. Pois a empregada casou-se com o patrão e se tornou patroa. Sinto até
vontade de contá-la. Contudo, não é momento. Mas pelo menos lhes afirmo: estão
casados e continuam vivendo felizes, ainda mais por ter ela saído ilesa de tão
perigosa circunstância.
O desfecho feliz da ocorrência poderia também ter sido
trágico. Mas desta feita os PMs venceram a guerra contra os criminosos. E
venceram-na porque, curiosamente, um dos heróis que enfrentaram de peito aberto
os bandidos naquela noite foi o cabo Dário Busquet Filho, PM estimado em
Papucaia e carinhosamente chamado de Darinho. Por mero acaso, ele, Darinho,
estava com candidatura a vereador posta à disposição dos eleitores
papucaienses. Pensava representar os cidadãos daquele povoado. Foi o segundo
mais votado nas eleições daquele ano e chegou a presidente da Câmara Municipal
de Cachoeiras de Macacu. Legitimou-se na política debaixo de tiros. Nem
precisou fazer campanha. Ou melhor, fê-la num só momento, de perigo, que lhe
poderia ter sido trágico.
O subtenente Peixoto foi promovido por bravura a
segundo-tenente. Mereceu. Ingressou na inatividade e anos depois faleceu em
virtude de doença. Os demais PMs também receberam elogios e promoções por
bravura. Mereceram! Afinal, arriscaram suas vidas a provar que Papucaia não é
lugar de estranhos. E muito menos de bandidos...
Lembro-me do dia desse assalto como se fosse hoje
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