A
noite estrelada era para João uma tentação irresistível. Deitado na relva do
seu pequeno roçado, ele se maravilhava ao mirar as cintilantes luzes da abóbada
celeste. Deveras extasiado, ficava horas e horas apreciando aquelas luzes
mágicas de brilho intenso, até que sua esposa, Maria, o chamasse à realidade:
“Ó, João, hora de dormir!”
João
nascera na roça e lá permanecera sem conhecer cidades grandes. Pouco saía, a
não ser em raras ocasiões, tendo o sol por testemunha, sol que, aliás, o
aborrecia porque não o deixava ver as estrelas. Mas ele ia, sim,
esporadicamente, – caminhando durante poucas horas, – ao lugarejo próximo:
pequeno núcleo de comércio e serviços destinado a atender às necessidades
mínimas dos roceiros que viviam naquelas cercanias apinhadas de plantios nas
várzeas e poucas matas virgens nas colinas. Mas à noite, no roçado contíguo à
sua palhoça, bastava um céu límpido para uma ânsia arrebatar o espírito de
João: ver as estrelas cintilando como diamantes iluminados... Até que Maria o
trouxesse de volta à realidade da labuta no dia seguinte: “Ó, João, hora de
dormir!”
Amuado
e cabisbaixo, João se recolhia à palhoça e ao catre para dormir e sonhar com
seus enfeites agarrados aos céus. Havia anos que era assim... Mas o prazer
dele, – deveras perturbado em virtude dos reclamos de Maria (ela ralhava com
ele dizendo-o meio louco), – o prazer dele tornou-se ira contra os luzeiros
celestiais. E foi assim, indignado, que ele decidiu de si para si caçar as
impertinentes luzinhas até apagá-las todas. Todas?... Sim, todas, matar as
estrelas tornara-se-lhe idéia fixa, ele não mais pensava em outra coisa ao
mirar o céu. As luzes, porém, parecendo adivinhar seus pensamentos, cintilavam
a mais e mais, perturbando-o tanto que nem a esposa o precisava chamar ao
descanso, ele antes se levantava da relva e picava o passo até a palhoça sem
sequer se despedir de suas ex-amigas.
Assim
escorreu o tempo, vendo o amor de João se transformar em ódio, até que ele
finalmente se dispôs a caçar as estrelas... Partiu ao lugarejo, comprou uma
espingarda e demais aprestos necessários ao disparo: cartucho, balim, bucha,
pólvora e espoleta. Agora sim, devidamente preparado, ele tornou à palhoça e
entrou a preparar as cargas que dispararia contra todas as estrelas, até contra
as que corriam pelo céu, como velozes pássaros, deixando-o ainda mais
alucinado... Não sabia ele que aquelas fracas luzes em movimento eram os
cometas...
Tornou-se
João, deste modo, um lunático, logo apodado por todas as gentes simples que o
conheciam como “João Caçador de Estrelas”. E tal como a vingança na qual
teimava com todas as suas energias, vingou-se-lhe também o apelido. Mas, ao
começar sua empreitada insana, sobreveio-lhe a frustração: seus tiros jamais
alcançavam os alvos, estes que, em resposta, insistiam em tremeluzir a
desafiá-lo.
Eis
como a fama do inusitado caçador de estrelas espalhou-se pela região... E com a
pecha de preguiçoso: ele não mais roçava, ficava a montar cartuchos e mais
cartuchos e disparava seus tiros a torto e a direito, até exaurir totalmente
suas parcas economias. E não houve como evitar: sem mais moedas, ele substituiu
a espingarda pelo estilingue e continuou a atirar pedras contra as estrelas que
brilhavam nos céus do sertão ignorando-o.
***
Certo
dia, estando João em seu atordoado devaneio, sentado à beira da estradinha que
cortava os roçados, viu passar um menino indo à escola. O sol brilhava num céu
azul. Ele mirou o menino e dele recebeu a saudação e a indagação:
–
Bom-dia, João Caçador de Estrelas! – até as crianças já assim o chamavam.
–
Bom-dia, garoto!
–
O senhor sabia que o sol é uma estrela? – disparou o menino a pergunta
acompanhada de amistoso sorriso.
João
se espantou e também indagou:
–
Como? O sol é estrela?... Mas estrelas brilham à noite...
–
Não, Caçador, as estrelas brilham sempre. Mas o sol, que também é estrela, e
por ser a mais próxima de nós, dá-nos o seu brilho e nos garante o dia. Também
sustenta a vida de tudo: das florestas, dos mares e rios, dos animais, e também
a nossa vida. Sem o sol, que é nossa estrela, tudo seria escuridão, nada
existiria. O sol é o lampião que Deus acendeu pra clarear a Terra.
–
Hum?...
–
É sim, Caçador! Todas as estrelas são como o sol, mas o brilho do sol não deixa
a gente ver as demais estrelas de dia porque a Terra gira e esconde um dos seus
lados desse brilho. Aí vem a noite e a gente pode ver o luzir distante de
outros sóis, pois todas as estrelas são sóis distantes.
–
Hum, como você, tão novinho, sabe disso?...
–
Ora, Caçador, eu aprendo na escola com a professora. Outro dia ela disse que as
estrelas moram muito longe. Não podemos alcançá-las a não ser com os olhos.
–
Ah, então é por isso que não consegui matar nenhuma delas! Atirei, atirei, e
nada. Mandei pedra nelas, e nada. Agora sei por que não acertei nenhuma
estrela...
–
É verdade, Caçador. A professora diz que as estrelas ficam tão longe que quando
morrem a gente continua a ver o brilho delas no céu.
–
Ora, garoto, como pode isso? Se ela apaga, a gente não pode ver brilho nenhum.
–
Mas vê, sim, Caçador. O brilho delas é a luz que viaja até nós por muitos e
muitos milhões de anos.
–
Que isso, garoto? Como pode a estrela brilhar depois de apagar? Como pode ficar
acesa?
–
Mas fica, Caçador. A professora diz que é muito difícil a gente saber como isso
acontece, a gente só vai saber quando crescer e estudar muito. Mas a professora
diz que é fácil entender se a gente pensar que isso é um recado de Deus pra
nós...
–
Recado?
–
Sim, Caçador, deixando a gente ver a luz das estrelas mortas Deus nos mostra
que a morte não é o fim. A luz é a alma da estrela que viaja eternamente pelo
universo infinito. A professora diz que nós também temos um brilho dentro de
nós que um dia viajará até Deus. Esse brilho é a nossa alma.
–
Ah, garoto, que explicação bonita! E eu aqui querendo matar as estrelas,
querendo apagar o brilho das minhas amigas. Que burro!
–
Não, Caçador, você não é burro! Você só não sabia. Mas agora você sabe.
–
É verdade! Obrigado, meu amiguinho! Hoje eu vou deitar no campo e pedir perdão
a Deus e às estrelas. Puxa vida, como fui mau!
–
Não, Caçador, você não foi nem é mau! É que você não teve professora, não foi à
escola. Mas agora, que você aprendeu, só precisa amar as estrelas e elas
ficarão felizes...
João
tornou ao deleite de mirar as estrelas, até que o sol, ao amanhecer, jorrasse
seus raios sobre ele, que se levantava e parta direto ao roçado. Trabalhava
como jamais antes o fizera e a terra tornou-se novamente feraz, eis vencida a
ira do Caçador de Estrelas!
Deste
modo feliz, o tempo foi vencendo o tempo, com João Caçador de Estrelas
admirando-as todas as noites, mas apenas para agradecê-las pela vida que suas
luzes representavam. E agradecia especialmente ao Astro-Rei, ao nosso Sol, que
dá luz e vida à Terra. E como a morte é trapeira da vida, um dia o Caçador de
Estrelas partiu aos céus que amava. Chegara a hora de sua alma conhecer o
Criador e eternamente brilhar junto com suas estrelas...
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