História inspirada em Verônica e Marcílio, primeiro
casal de porta-bandeira da Imperatriz Leopoldinense. (Foto de Danielle Cezar)
Esmeralda subia e descia o morro carregando em
voluptuosidade o seu corpo escultural. Parecia modelo de passarela ao mostrar os
contornos do seu lindo par de pernas. Sim, Esmeralda era mui bela! E reinava no
cume do morro que abrigava a favela onde morava: o barraco plantado em local
desvalorizado devido à altitude, mas que, por causa dela, era o mais importante.
Para ela o morro não passava duma colina que desde a infância ela dominava com
desenvoltura e alegria.
Como era linda a moça Esmeralda! Monumento de mulata,
olhos verdes, cabelos castanhos e caídos ao longo das costas seminuas e sobre
seus ombros à mostra em decote apurado. Um provocativo corte lateral da saia
deixava o mundo favelado ver, ao seu caminhar, uns belíssimos pedaços de suas coxas.
Enfim, não há mais necessidade de descrevê-la, nenhum adjetivo seria capaz de
qualificar tanta beleza!
Sim, alta e esbelta da cabeça aos pés, lá vinha ela
desfilando na precisão do salto alto e no menear das cadeiras. Sim, sim, ninguém
resistia em mirá-la em olhares dissimulados! Mas Esmeralda, em contrário,
distribuía abertamente sua simpatia, mas deixando evidente em sua majestade que
um dia ela mesma escolheria o seu príncipe encantado. E nem por isso perdia o
brilho do rosto, fazendo inveja aos raios rutilantes do sol que a bronzeavam em
solene respeito.
O nome dela, Esmeralda, fora inspiração do pai. Ele
vira nos olhos da menina, logo ao nascer, umas luzes que mais pareciam as da
pedra resplandecendo em brilho. Eram, sim, maravilhosamente verdes e
brilhantes! Daí chamá-la Esmeralda, obra-prima de Paulo e Isabel, mestre-sala e
porta-bandeira da Escola de Samba mais querida da Zona da Leopoldina: a
Imperatriz Leopoldinense.
Desde criança ela aflorava como substituta da mãe na
condução do símbolo maior da Escola de Samba, pois o samba ocupava-lhe os
poros, corria em suas veias e artérias e lhe tomava o espírito. Assim ela
cresceu e se tornou destaque, enquanto treinava com a mãe, Isabel, para assumir
a honraria de um dia ostentar na Avenida Marquês Sapucaí o Pavilhão da Escola
de Samba do seu coração em desfile de vitória. E mais treinava, por sua conta,
cada passo em graciosidade e apuro de vocação herdada da mãe. Isabel e Paulo
exultavam ao ver que a filha querida um dia teria seu momento de glória na
Marquês de Sapucaí.
É verdade que levou bom tempo, mas finalmente chegou o
dia de Esmeralda mostrar sua graça. Na quadra da agremiação, pela primeira vez,
ela treinaria com seu parceiro o papel de segunda porta-bandeira. E ele surgiu na
ponta da quadra, negro como o ébano e forte como um touro, corpo de modelo e
sorriso infantil. Foi um choque de muitos raios, seus corações se espetaram em
flechadas de Cupido e se prenderam em amor à primeira vista. Era Carlos Augusto
o nome do passista que a pegou pelas mãos em suavidade e estilo. Esmeralda
estremeceu e se viu bailando com seu príncipe encantado na pista dos seus
sonhos.
O samba-enredo tocou, e quem estava na quadra não cria
no que via: o príncipe e a princesa evoluindo como borboletas voejando em
jardins floridos. Cada passo encenado por Carlos Augusto parecia pluma solta
suavemente ao vento, enquanto Esmeralda o rodeava, – tão encantadora como um
beija-flor adejando em meio a flores prediletas, – desfraldando em perfeição o
sagrado símbolo da Escola de Samba do seu coração. Sim ninguém mais duvidava:
ali estava o casal do futuro, o mestre-sala e a porta-bandeira do ano seguinte.
Ensaios e mais ensaios, até que chegou o Carnaval. Na
Marquês de Sapucaí, a princesa Esmeralda e o príncipe Carlos Augusto lá estavam
como segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira. Suas fantasias seriam
capazes de enciumar príncipes e princesas de verdade e do mundo do
faz-de-conta. Nos seus semblantes, a felicidade emergia em deslumbre... Porque
havia algo mais: o amor que se firmara entre ambos como o sol a esparramar-se
no esplendor do amanhecer: rápido e lindo! E veio a surpresa que eles
silenciosamente prepararam: o conúbio em plena Passarela do Samba, antes do
desfile, ante milhares de foliões e espectadores como testemunhas, tudo tão
lindo como a passagem dum cometa no universo distante.
Paulo e Isabel se abraçaram ao casal em esfuziante
alegria. E assim, naquele mágico momento de festa carnavalesca, os casais
arrancaram da plateia os mais entusiásticos aplausos. Sim, Esmeralda e Carlos
Augusto casaram na batida alternada do bumbo como se fosse o repicar de dois
corações amantes. E no ritmo do samba ecoou o grito de guerra cortando o ar:
“Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós!...”
O povo, emocionado, fez-se de pé ao ouvir a frase
mágica do Hino da Proclamação da República em ritmo maravilhoso. E a escola
adentrou a Avenida Marquês de Sapucaí contagiando o povo, do abre-alas até o
último sambista, levando todos ao delírio. E houve a evolução divinal dos
casais de porta-bandeira, com a Imperatriz Leopoldinense levando ao êxtase a
multidão como jamais se vira naquela pista em que a alegria desfilava sob as
bênçãos de Deus.
De repente, quem lá estava via a Marquês de Sapucaí se
tornar um colar de esmeraldas tremeluzindo em fulgor divinal. Que lindo! Mas a
claridade vinha da alma dos sambistas, todos sambando, cantando e festejando o
conúbio de Carlos Augusto e Esmeralda. No dia seguinte, nenhuma surpresa, a
Zona da Leopoldina festejava nas ruas o título de Campeã do Carnaval, enquanto
Augusto e Esmeralda perpetuavam, a sós, o amor que nascera na quadra da
Imperatriz Leopoldinense no ano de ouro de 1989:
Magnífica solução. Liberdade, liberdade completa.
Pus-me a cantar estupidamente, batendo os dedos na tábua da mesinha: Liberdade,
liberdade/Abre as asas sobre nós...
Eis o refrão de muitas vitórias saído da pena de Graciliano
Ramos! Eis o canto de liberdade nascido da inspiração de Cecília Meireles:
Diz-se que o homem nasceu livre, que a liberdade de
cada um acaba onde começa a liberdade de outrem; que onde não há liberdade não
há pátria; que a morte é preferível à falta de liberdade; que renunciar à
liberdade é renunciar à própria condição humana; que a liberdade é o maior bem
do mundo; que a liberdade é oposta à fatalidade e à escravidão; nossos bisavós
gritavam "Liberdade, Igualdade e Fraternidade!". Nossos avós cantaram:
"Ou ficar a Pátria livre ou morrer pelo Brasil!"; nossos pais pediam:
"Liberdade! Liberdade! – abre as asas sobre nós!", e nós recordamos
todos os dias que "o sol da liberdade em raios fúlgidos brilhou no céu da
Pátria..." – em certo instante.
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